domingo, 11 de março de 2012

Caso Clínico sobre Dengue por Luís Felipe Cavalcante (5º ano, UNIDERP).

Oi Pessoal!!!

Hoje o post é da Campanha: Compartilhe seu Caso Clínico! por Luís Felipe Cavalcante, acadêmico do 5º Ano de Medicina da UNIDERP, Mato Grosso do Sul.



"Internação: 08/03

Nome: B. S. S.

Idade: 6 anos

QPD: Desmaio, febre e vômitos há 21 horas

HC: Há 5 dias paciente iniciou quadro febril intermitente de 37,8C , melhorando com o uso de dipirona, retornando após 2 horas de medicação. Associado a febre, refere vômitos com restos alimentares, anorexia e constipação. Mãe levou ao CRS onde foi prescrito metronidazol (utilizou por 4 dias), além de Minilax (não fez uso), dipirona sódica e soro de reidratação oral. Não houve melhora dos sintomas. Há 48 horas, apresentou dor em flanco direito de forte intensidade do tipo lacerante que piorava com a ingesta líquida e alimentação. Refere ainda tosse seca com predomínio noturno. Procurou novamente o CRS onde foi solicitado radiografia de abdome (sem alterações) , ultrassonografia de abdome (sem alterações), EAS (sem alterações) e hemograma (granulaçoes tóxicas). Relata dor a descompressão brusca do abdome (sic). Foi liberada para casa após hidratação endovenosa. Há 21 horas apresentou novo episódio de vômito com conteúdo biliar. Logo em seguida teve um episódio de síncope, sendo que demorou cerca de dez minutos para recuperar a consciência. Procurou CRS onde foi encaminhada para Santa Casa com suspeita diagnóstica de leishmaniose visceral ou apendicite.

Ao exame físico de entrada apresentava-se afebril, eupneica, orientada, ativa, hipocorada +/4+, desidratada 5%: Exame cardiovascular, pulmonar, extremidades, neurológico sem alterações. Abdome: flácido, indolor a palpação, RHA +, timpanismo difuso, Traube ocupado, Blumblerg -, Giordano -. Ausência de sinais meníngeos. Prova do laço -.



Hipótese Diagnóstica: Dengue Clássica



No primeiro dia de internação hospitalar evolui com dor retroorbitaria associada a fotofobia. No segundo dia de internação já apresentava-se assintomática. A alta foi realizada no terceiro dia de internação com indicação de hidratação via oral, sulfato ferroso para anemia e reafirmação dos sinais de alerta.



Hemograma 05/03 (CRS): Erit: 4,4 Hb: 11,3 Ht: 35 VCM: 79,5 HCM: 25,7 CHCM: 32,3 Leuc: 6900 Neut: 92% Bast: 16% Seg: 76% Linf: 7% Mon: 1% Eos: 0% Bas: 0% Plaq: 150.000. Granulações tóxicas.

Hemograma: 08/03 (manhã): Erit: 4,09 Hb: 10,5 Ht: 31,4 VCM: 77 HCM: 25,7 CHCM: 33,6 Leuc: 4300 Neut: 83% Bast: 3% Seg: 80% Linf: 12% Mon: 5% Eos: 0% Bas: 0% Plaq: 182.000

Hemograma: 08/03 (tarde): Erit: 3,75 Hb: 10,1 Ht: 29,4 VCM: 78 HCM: 26 CHCM: 34 Leuc: 3700 Neut: 75% Bast: 0% Seg: 75% Linf: 20% Mon: 5% Eos: 0%  Bas: 0% Plaq: 166.000

08/03: Glicose: 76; Sódio: 134; Potássio: 3; Cálcio: 8,8; TGO: 57; TGP: 79; Amilase: 47; PCR: 36,7

Hemograma 10/03: Erit: 3,9 Hb:10 Ht: 30 VCM: 77 HCM: 25.6 CHCM: 33.3 RDW: 13,4 Leuc: 3080 Neut: 43% Bast: 0% Seg: 43% Linf: 51% Mon: 3% Eos: 3%  Bas: 0% Plaq: 246.000 (Presença de agregados plaquetarios que dificultam plaquetometria)



Conduta tomada se baseou na hidratação endovenosa + sintomáticos.

-Pontos a serem notados:

Elevação de transaminases hepáticas, apesar de não ser evidenciada hepatomegalia no exame físico nem na ultrassonografia abdominal

Leucopenia – Piora a cada leucograma

Plaquetopenia – Apesar de esperar uma queda mais acentuada a partir da remissão da febre, a plaquetometria foi alterada por agregados plaquetários

Anemia ferropriva – Hematócrito baixo, mesmo com a dengue que leva a hemoconcentração fica difícil notar alteração.

Traube ocupado evidencia esplenomegalia

Dor abdominal (sinal de alerta) mimetizando uma apendicite

Síncope por desidratação

Remissão da febre em 6 dias, não ultrapassando o limite de 7 dias

Região endêmica para dengue

Necessidade de notificação."
Luís Felipe Cavalcante, 5° ano de Medicina na UNIDERP (MS).
Pessoal, gostei muito deste caso, não só porque sexta postei sobre Dengue (onde falo que MS é área endêmica), mas pelo fato de mostrar que na prática clínica, muitas vezes, não é tão simples chegar em um diagnóstico preciso, pois os sinais e sintomas dessa paciente sugeriam outros diagnósticos também, mas que foram excluídos pelos exames de imagem e pelo exame físico. A dengue foi diagnósticada pelo história clínica, pela leucopenia e plaquetopenia.
Parabéns Luís Felipe pelo relato de caso e pela iniciativa de enviá-lo ao blog :) Se alguem tiver alguma dúvida, pode perguntar que eu ou Luís Felipe renponderemos. Até mais...


4 comentários:

  1. A Dengue também vem se tornando frequente entre os pacientes do HGU.

    O caso em minha opnião não foi muito bem conduzido. No caso da hipótese diagnóstica, o tratamento de dengue é sintomático, hidratando esse paciente e com avaliação constante da temperatura corporal do paciente. A probalidade maior de haver manifestações hemorrágicas, culminando com a síndrome do choque da dengue ocorrem justamente por volta de 24 horas após o desaparecimento da mesma.

    Porém, tenho umas críticas ao caso, creio que podemos aprender juntos.

    1. História Clínica: Na queixa principal está "Desmaio, febre e vômitos há 21 horas". Porém, o paciente iniciou a febre há 5 dias juntamente com episódios eméticos. A síncope ocorreu há 21 horas da internação. Então o certo seria: "Febre e vômitos há 05 dias. Desmaio há 21 horas".
    Outra crítica: Quadro febril de 37,8 *C não é febre. Febre é acima deste valor. Quem aferiu a febre? Quantas gotas de dipirona foram utilizadas? Quantos episódios de vômito? A anorexia e a constipação iniciaram-se como, junto ao quadro? O paciente apresentou episódios álgicos também, isso não deveria ser incluído na queixa principal? Perguntou-se a mãe do paciente o motivo do outro médico terem prescrito metronidazol? (Não vi nenhuma indicação de iniciar metronidazol aí) .. enfim.. a história carece de alguns elementos importantes, que são essenciais na conduta e diagnóstico correto..

    2) Exame físico: O que seria desidratada 5%? Como estava o turgor? os pulsos? as mucosas? a pressão arterial, a FC? Essa criança teve episódios de vômitos.. um exame físico municioso tem que ser feito..

    3) Anemia ferropriva olhando Hb e Ht é um erro grosseiro. Anemia microcítica e hipocrômica pode ser além de ferropriva, pode ser talassemia, doença inflamatório, anemia sideroblástica. Para dizer que é anemia ferropriva, devíamos ter ao menos uma ferritina..outra coisa que evidenciaria anemia ferropriva seria a presença de plaquetose.. e aí ocorre ao contrário..


    Na minha opnião fato de ser um região endêmica de dengue, isso também é uma hipótese diagnóstica válida, mas eu ao menos teria solicitado avaliação da hematologista.. a idade também ajuda um pouco, já que a incidência de doenças hematológicas é maior nessa idade..

    Eu pensaria em dengue, alfa-talassemia, gastroenterite viral.


    No mais, só quero esclarecer que só comentei para participar, continue com os casos clínicos e sempre que puder tentarei ajudar.

    Abraços

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  2. Ricardo, o intuito da "Campanha: Compartilhe seu caso clinico" é esse mesmo, de raciocinar como se fosse nosso paciente, perguntar informações que não foram citadas aqui no blog, trocar conhecimentos...
    Informei o Luís Felipe sobre seu comentário, acredito que ele te explicará esses detalhes assim que puder.
    Se tiver algum caso, envie no e-mail do blog curtindoamedicina@hotmail.com
    É sempre bom a gente discutir casos, aprende bastante!

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  3. 1. História Clínica: Na queixa principal está "Desmaio, febre e vômitos há 21 horas". Porém, o paciente iniciou a febre há 5 dias juntamente com episódios eméticos. A síncope ocorreu há 21 horas da internação. Então o certo seria: "Febre e vômitos há 05 dias. Desmaio há 21 horas".

    QPD a gente escreve com as palavras do paciente/informante e não com o que concluimos sobre o que ele falou. A queixa principal nao foi o fato da febre ter iniciado a 5 dias e sim o fato desse sintoma ter permanecido/piorado há 21 horas associado a sincope. Se a queixa principal fosse a febre há 5 dias, nao concorda que teria levado a paciente muito antes ao hospital?

    Outra crítica: Quadro febril de 37,8 *C não é febre. A maioria das fontes cita febre como superior há 37,8, concordo, porém não é consenso, existem outras fontes que citam valores inferiores como febre. Quem aferiu a febre? Quantas gotas de dipirona foram utilizadas? Quantos episódios de vômito? A anorexia e a constipação iniciaram-se como, junto ao quadro? O paciente apresentou episódios álgicos também, isso não deveria ser incluído na queixa principal? Novamente, QPD é o que o proprio nome diz: queixa principal e não todas as queixas. Perguntou-se a mãe do paciente o motivo do outro médico terem prescrito metronidazol? Quem prescreveu o metronidazol foi a equipe anterior que atendeu a crianca e nao a gente,sendo que ela e nos desconhecemos a indicação. enfim.... a história carece de alguns elementos importantes, que são essenciais na conduta e diagnóstico correto: a historia está resumida.

    2) Exame físico: O que seria desidratada 5%? Como estava o turgor? os pulsos? as mucosas? a pressão arterial, a FC? Essa criança teve episódios de vômitos.. um exame físico municioso tem que ser feito... Leia a tabela da segunda pagina que vc vai entender o que é desidratado 5% http://www.uff.br/mmi/neonatologia/graduacao/bloco%20teorico/hidratacao/agua.pdf

    3) Anemia ferropriva olhando Hb e Ht é um erro grosseiro. Anemia microcítica e hipocrômica pode ser além de ferropriva, pode ser talassemia, doença inflamatório, anemia sideroblástica. Para dizer que é anemia ferropriva, devíamos ter ao menos uma ferritina..outra coisa que evidenciaria anemia ferropriva seria a presença de plaquetose.. e aí ocorre ao contrário... Na medicina publica infelizmente trabalhamos com recursos escassos. Concordo da necessidade de analisar a cinética do ferro para fechar o diagnóstico, porém trabalhamos com a epidemiologia associada, medicina baseada em evidencia. A crianca possui uma alimentação totalmente desregrada (omitida nesse caso apresentado). Temos uma historia de alimentacao desregrada, anemia micro e hipo, crianca , a primeira coisa que pensamos é anemia ferropriva. Além disso, plaquetose vai ser muito dificil encontrar uma vez que a dengue causa plaquetopenia.

    Na minha opnião fato de ser um região endêmica de dengue, isso também é uma hipótese diagnóstica válida, mas eu ao menos teria solicitado avaliação da hematologista.. a idade também ajuda um pouco, já que a incidência de doenças hematológicas é maior nessa idade... Se formos pensar em outras doencas hematologicas toda vez que uma crianca aparecer com anemia e solicitar avaliacao do hematologista, seria necessario mais hematologistas que pediatras nos hospitais.

    Diagnóstico de dengue é clinico. A criança possui todos os criterios necessarios. Mesmo assim foi realizada sorologia cujo resultado chegou esse semana mostrando-se positiva. A criança evolui com melhora, estando totalmente assintomatica na alta. Logo, na minha opiniao o caso foi bem conduzido.
    Se ela apresenta uma outra doenca que hematologica, uma talassemia por exemplo, é pra outro tempo, não foi pelo motivo da internação. O seguimento é ambulatorial e nao a nivel terciário.

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  4. Muito bom caso. Explicações condizentes. Parabéns

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